quinta-feira, 27 de janeiro de 2011


São João da Cruz – Noite Escura



Em uma noite escura

De amor em vivas ânsias inflamada

Oh! Ditosa aventura!

Saí sem ser notada,

Estando já minha casa sossegada.


Na escuridão, segura,

Pela secreta escada, disfarçada,

Oh! Ditosa aventura!

Na escuridão, velada,

Estando já minha casa sossegada.


Em noite tão ditosa,

E num segredo em que ninguém me via,

Nem eu olhava coisa alguma,

Sem outra luz nem guia

Além da que no coração me ardia.


Essa luz me guiava,

Com mais clareza que a do meio-dia

Aonde me esperava

Quem eu bem conhecia,

Em lugar onde ninguém aparecia.


Oh! noite, que me guiaste,

Oh! noite, amável mais do que a alvorada

Oh! noite, que juntaste

Amado com amada,

Amada, já no amado transformada!

Em meu peito florido

Que, inteiro, para ele só guardava,

Quedou-se adormecido,

E eu, terna o regalava,

E dos cedros o leque o refrescava.


Da ameia a brisa amena,

Quando eu os seus cabelos afagava,

Com sua mão serena

Em meu colo soprava,

E meus sentidos todos transportava.


Esquecida, quedei-me,

O rosto reclinado sobre o Amado;

Tudo cessou. Deixei-me,

Largando meu cuidado,

Por entre as açucenas olvidado.


Fonte: http://www.cancaonova.com/portal/canais/formacao/internas.php?id=&e=3505

Um comentário:

  1. Essa mística de Tereza de Ávila e de Juan de la Cruz, que parece não (re)conhecer fronteiras entre êxtase corporal e êxtase propriamente espiritual não deixa de trazer certo desapontamentozinho para quem olha esse alargamento da experiência mística(que une gozo de alma e de corpo num só)como uma impossibilidade, embora a impossibilidade aumente a densidade poética para quem lê.

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