quarta-feira, 23 de março de 2011

O bibliotecário - Emílio Carrera Guerra



A Oswaldino Marques


É um repouso de centro do mundo.
A terra, um disco de vitrola.
Tu, numa cadeira de molas, sentado,
Sobre almofadas de sombra,
Girando, girando, mas parecendo imóvel.

Muralhas conventuais a te cercarem.
Raro, o arrebol incendeia os vitrais.
Mais pálido, entre o bolor dos séculos,
Combates a traça, a poeira, teias.
D. Quixote de lança-espanador, morteio-flit,
Investe, inútil, contra o tempo.

Milhões de palavras em teu novo silêncio.
Trepa pelas paredes, arrumam-se nas estantes.
Peneira de realidade, roca e fuso do sonho,
Teus instrumentos, tua matéria-prima.

Modorra pinga das horas inteiriças,
Ceva-se em luz mortiça a preguiça criadora.
Olhas tranquilo, sobre a mesa pousadas
As mãos sem garras, o pão sincero.
Tudo tranquilo, mas não mais como nós:
Homem avançando com a faca nos dentes.
Do sono aparente, nasce um catálogo.
Inanimados jardins de ordem, flores de paciência,
Revela-se o parentesco infinito das séries,
Mapas, referências, dicionários.
Todas, ao alcance da qualquer,
Sob tua vista complacente, zelosa
De guardião do pomar.
Comandante submerso,
Periscópio assestado nas avenidas,
Sorri, sem querer, comiserado
Do movimento tão excessivo.



Fonte: FONSECA, Edson Nery da. Introdução à biblioteconomia. 2. ed. Brasília: Briquet de Lemos/Livros, 2007.

quinta-feira, 3 de março de 2011

Fragmento de diálogo de uma das cenas do filme Romance:


- Nunca mais teremos alegria sem dor.
- Você pode vim comigo algumas vezes. O Rio de Janeiro não é a Irlanda.
- Dizem que o amor dura no máximo três anos. O mesmo tempo que dura o efeito do vinho do amor que Tristão e Isolda beberam.
- A paixão acaba e começa o amor …
- … os altos e baixos de um desejo, a rotina, outras tentações …
- Você tá arrependido?
- Muitas vezes eu acho que não é uma boa idéia amar você tanto assim. Pode se apaixonar por outra pessoa.
- Você também pode, não ia ter graça nenhuma se a gente fosse obrigada a gostar um do outro.
- Eu ia achar ótimo.
- Então toda noite tomamos o vinho do amor no palco e renovamos o nosso amor por mais três anos. Tristão e Isolda fica em cartaz até que a morte os separe. (…)


O Meu Amor - Chico Buarque
Composição: Chico Buarque


O meu amor tem um jeito manso que é só seu
E que me deixa louca quando me beija a boca
A minha pele toda fica arrepiada
E me beija com calma e fundo
Até minh'alma se sentir beijada

O meu amor tem um jeito manso que é só seu
Que rouba os meus sentidos, viola os meus ouvidos
Com tantos segredos lindos e indecentes
Depois brinca comigo, ri do meu umbigo
E me crava os dentes

Eu sou sua menina, viu? E ele é o meu rapaz
Meu corpo é testemunha do bem que ele me faz

O meu amor tem um jeito manso que é só seu
Que me deixa maluca, quando me roça a nuca
E quase me machuca com a barba mal feita
E de pousar as coxas entre as minhas coxas
Quando ele se deita

O meu amor tem um jeito manso que é só seu
De me fazer rodeios, de me beijar os seios
Me beijar o ventre e me deixar em brasa
Desfruta do meu corpo como se o meu corpo
Fosse a sua casa


Fonte: http://letras.terra.com.br/chico-buarque/45155/