segunda-feira, 30 de março de 2015

V

Gostaria de coeso, calmo, frívolo. Sim porque há coesão e calmaria na frivolidade. Ou não pensam assim? Então repensem. Tinha horror ao sexo. Cheiros gosmas ginástica convulsão. Horror principalmente ao silêncio daquelas horas. Melhor, horror dos guinchos e outros sons que se pareciam aos sons das funduras, dos poços, das borbulhas. Gostava de sentar-se e ler. Principalmente Chesterton e sua Ortodoxia. Os amigos perguntavam: tu não gosta de foder, não? Não, ele respondia, tenho nojo. Nojo de quê? De corpos se juntando, dos cheiros, dos ruídos. Foi ficando sozinho com seus livros e seu nojo. Gostava de pensar mas pouco a pouco foi sentindo o cheiro das ideias, e as mais possantes, as mais genuínas, as mais veementes tinham o mesmo cheiro do sexo e daquela gosma da casuarina. Então pela disciplina e pelo jejum foi esvaziando a mente. Via cores e as cores não tinham cheiros e isso era bom. Sentou-se no chão da sala e ficou ali até perceber que tinha se tornado o um ponto vivo de luz dourada. Até que o garotão o acordou e disse: qué mais uma na berba, doutor?


(HILST, Hilda. Cartas de um sedutor. São Paulo: Globo, 2002. 198 p.)

segunda-feira, 16 de março de 2015

"Enquanto os ponteiros do relógio se aproximavam das 18 h, ele sorria um riso triste e pensava que o desamor é extremamente civilizado. 
Só quem não sente mais paixão oferece a uma rival uma xícara de café ou chá. Quem ainda ama, pode até oferecer, mas acompanhada da pergunta: "Com arsênico ou adoçante?"
O chá havia sido o último teste, a prova final que ele precisava ter, só por alívio de consciência já que, sinceramente, ele sabia que para ela não seria problema algum vê-lo com outra.
Às 18 h em ponto, ele levantou do sofá, pegou um papel que estava em cima da mesa e partiu sozinho para a casa da ex-mulher.
Agora sim, poderia lhe entregar o papel do divórcio (que há dias estava pronto), e quem sabe tomarem juntos uma xícara de chá..."


ALENCAR, Vanessa. Chá para três. In.: Por que amamos insanos?: contos sobre relacionamentos. Catavento: Maceió, São Paulo, 2000. 62 p.

domingo, 15 de março de 2015

- Queria que você estivesse aqui comigo. Queria poder te abraçar. Queria poder te tocar.
- Como você me tocaria?
- Eu tocaria o seu rosto. Só com a ponta dos dedos. Colocaria a minha bochecha colada com a sua.
- Isso é legal.
- Eu te tocaria suavemente.
- Você me beijaria?
- Beijaria. Pegaria seu rosto com minhas mãos. Eu beijaria o canto da sua boca. Bem de leve.
- Onde mais?
- Eu passaria meus dedos pelo seu pescoço.
- Continue.
- No seu peito. E beijaria seus seios.
- Isso é incrível. O que você está fazendo comigo? Consigo sentir a minha pele.
- Eu te provaria. Eu queria poder te tocar.
- Eu consigo te sentir. Meu Deus, eu não aguento. Quero que você me encontre.
- Devagar, iria me colocar dentro de você. Estou dentro de você.
- Eu posso sentir.
- Estamos juntos.
- Isso é incrível, eu sinto você em todo lugar.
- Eu sinto você dentro de mim, em todo lugar.

- Eu estava em outro lugar com você. Perdido. Só você e eu.
- Eu sei. Todo o resto desapareceu. Eu adorei.  


(Filme: Her)