sexta-feira, 26 de julho de 2013

Eu Sei - Renato Godá


Eu sei,
que o homem-bala voa,
que a trapezista voa,
e o tempo ainda é pior

Eu sei,
que os automóveis correm,
que os trens nos trilhos correm,
e o tempo ainda é pior.

Porém,
posso esquecer das horas,
abusar da demora,
pra ficar com você.

Eu sei,
a vida inteira é curta,
passado não tem curva,
e o tempo ainda é pior.

Eu sei,
os sonhos envelhecem,
certezas vão embora,
e o tempo ainda é pior.

(2X)Porém,
posso esquecer das horas,
abusar da demora,
pra ficar com você.

Por fim,
se o Super-Homem voa,
se a bailarina voa,
e o tempo ainda é pior.

Eu vou,
nesse compasso lento,
em meio ao contratempo,
sem pressa de entender.

E sim,
posso esquecer das horas,
abusar da demora,
pra ficar com você.

Sim,
posso esquecer das horas,
abusar da demora,
pra ficar com você.




Cartas de amor - Álvaro de Campos


Todas as cartas de amor são
Ridículas.
Não seriam cartas de amor se não fossem
Ridículas.

Também escrevi em meu tempo cartas de amor,
Como as outras,
Ridículas.

As cartas de amor, se há amor,
Têm de ser
Ridículas.

Mas, afinal,
Só as criaturas que nunca escreveram
Cartas de amor
É que são
Ridículas.

Quem me dera no tempo em que escrevia
Sem dar por isso
Cartas de amor
Ridículas.

A verdade é que hoje
As minhas memórias
Dessas cartas de amor
É que são
Ridículas.

(Todas as palavras esdrúxulas,
Como os sentimentos esdrúxulos,
São naturalmente
Ridículas.)



segunda-feira, 8 de julho de 2013

"[...] De repente ele não tinha mais medo da morte. Não tinha mais medo de nada. Esse êxtase delirante livrara-o de todas as preocupações e enchera-o de uma alegria tão abrangente, que se ele tivesse que dar seu último suspiro antes do nascer do sol do dia seguinte, suas últimas palavras seriam: "Não chorem por mim, pois eu amei de verdade".

[...]

- Boa noite, minha senhorita.
Quatro palavras bastaram. [...] Um simples cumprimento, porém, ao mesmo tempo, a coisa mais magnífica que ela já ouvira um homem dizer. Foi o "minha" que ela não conseguiu esquecer. Ele dissera a palavra como se estivesse procurando por ela há muitos anos, talvez até durante uma vida inteira."


(GABEL, Claudia. Romeu & Julieta e Vampiros (Adaptação de William Shakespeare). São Paulo: Pandorga, 2011. 227 p.)


"Sentir é muito lento

Os olhos da ingrata que nunca nos beija, a luz de um corpo que apaga os caminhos, os seios submersos da sereia. Todas as velocidades e vacilos do coração que, de tão lento, quase pára; ou solta faísca e incendeia o horizonte. De quantas maneiras se diz desejo?"


"Meu corpo deixa sulcos na areia.
São marcas suaves, um pouco de mim que se modela

nas coisas, meu alucinado desejo de permanecer...

(Cacaso)"


(CESAR, Ana Cristina et al. Poesia marginal. São Paulo: Ática, 2007. 104 p. (Para Gostar de Ler; 39))