domingo, 20 de janeiro de 2013


"Em uma folha de papel amarelo com linhas verdes
ele escreveu um poema
E o intitulou “Chops”
            porque era o nome do seu cão
E era o que estava em toda parte
E seu professor lhe deu um A
            e uma estrela dourada
E sua mãe o abraçou à porta da cozinha
            e leu o poema para as tias
Era o ano em que o padre Tracy
            levava todas as crianças ao zoológico
E ele deixou que cantassem no ônibus
E sua irmãzinha tinha nascido
            com unhas minúsculas e nenhum cabelo
E seu pai e sua mãe se beijaram tanto
E a garota da escola mandou para ele
            um cartão de Dia dos Namorados assinado com vários X
            e ele teve de perguntar ao seu pai o que significava X
E seu pai deixou que ele dormisse na sua cama à noite
E era sempre lá que ele dormia

Em uma folha de papel com linhas azuis
            ele escreveu um poema
E o intitulou “Outono”
            porque era o nome da estação
E era o que estava em toda parte
E seu professor lhe deu um A
            e o pediu para escrever com mais clareza
E sua mãe não o abraçou à porta da cozinha
            por causa da pintura nova
E as crianças disseram a ele
            que o padre Tracy fumava cigarros
E largava as guimbas no banco da igreja
E às vezes elas faziam buracos
Que era o ano de sua irmã usar óculos
            com lentes grossas e armação preta
E a garota da esquina riu
            quando ele pediu para ver Papai Noel
E os garotos perguntaram por que
            a mãe e o pai se beijavam tanto
E seu pai não o cobria mais na cama à noite
E seu pai ficou furioso
            quando ele chorou por isso

Em um pedaço de papel de seu caderno
            ele escreveu um poema
E o intitulou “Inocência: Uma Questão”
            porque a questão era sobre uma garota
E isso estava em toda parte
E seu professor lhe deu um A
            e um olhar muito estranho
E sua mãe não o abraçou à porta da cozinha
            porque ele nunca o mostrou a ela
Foi o primeiro ano depois da morte do padre Tracy
E ele esqueceu como terminava
            o Creio em Deus Pai
E ele pegou a irmã
            se agarrando na varanda dos fundos
E seu pai e sua mãe nunca se beijavam
            nem mesmo conversavam
E a garota da esquina
            usava maquiagem demais
O que fez ele tossir quando a beijou
            mas ele a beijou mesmo assim
            porque era a coisa certa a fazer
E as três da manhã ele se aninhou na cama
            seu pai roncava alto

E por isso que no verso de uma folha de papel pardo
            ele tentou outro poema
E o intitulou de “Absolutamente Nada”
Porque era o que estava em toda parte
E ele se deu um A
            e um corte em cada maldito pulso
E se encostou na porta do banheiro
porque nessa hora ele não pensou
que poderia alcançar a cozinha"


(CHBOSKI, Stephen. As vantagens de ser invisível. Rio de Janeiro: Rocco, 2007. 223 p.)

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