quarta-feira, 12 de outubro de 2011

Inequação - Sidney Wanderley




Não se entra e sai da amada
Como se entra e sai do teatro.
Do teatro se entra e sai
da mesma forma e maneira;
com cinco dedos por mão,
com vinte dedos no corpo,
trinta idéias na cabeça,
algum dinheiro no bolso;~
com vida, se entrarmos vivos,
defuntos, se entrarmos mortos.

Na amada mergulhamos
por completo, inteiramente,
e quando à tona tornamos
há em nós algo de menos:
pode ser farto suor
a encharcar nossas vestes,
nosso sangue, nosso sêmem
que em seu ventre florece,
pode ser nossa agonia,
careta nossa de gozo,

nossa contrição de prece,
ou fadiga que inunda
e mina os corpos prostrados
enquanto ruge lá fora
um vento desorbitado.
O fato é que algo resta
longe de nós, naufragado,
e não mais somos quem éramos
quando cansados fugimos
do mar gozoso da amada.

Não se entra e sai da amada
como se entra e sai de um auto.
Num auto se entra e se passeia
por ladeiras e ruas planas,
por campos, charcos, desertos,
asfalto, barro batido,
canaviais, açucenas,
e ao final da jornada
restamos inteiros e vivos,
de igual forma como entramos.

Na amada mergulhamos
por completo, inteiramente,
e quando à tona tornamos,
há em nós algo de excesso:
pode ser o seu perfume
recendendo em nossa pele,
a mancha do seu batom
tatuada em nosso ombro,
um pêlo negro do púbis
boiando em nossa saliva,
ou o nosso peito inflado
de senhor-dono do mundo
( porque senhores da amada ).
O fato é que ao final
da batalha sem porfia
em nosso corpo gravita
o que antes não ousaria:
um sargaço, um crustáceo,
sal, areia, maresia,
ou algo que antes no mar
gozoso da amada dormia.

Em verdade não se entra
como se sai da amada:
em nós algo se acrescenta,
ou em nós algo há
que falta.



Fonte: http://chicodeassispoesia.blogspot.com/2009/09/inequacao-poesia-de-sidney-wanderley.html

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